Por Sérgio Malbergier em 19/07/2011 na edição 651
Artigo reproduzido da Folha.com, 14/7/11; intertítulos do OI
Fazer jornalismo básico, convenhamos, não é tão difícil assim.
Atenha-se às seis informações básicas (o quê, quem, onde, quando, como,
por quê), e você relata fatos com precisão. O segredo, a força do
jornalismo como o conhecíamos, era mais a sua capacidade de levar as
histórias ao grande público do que propriamente relatar as histórias.
A web mudou tudo.
Agora os atores das histórias, públicas e privadas, criam seus próprios
canais de comunicação privados ou de massa via sites, blogs, Twitter,
Facebook, Google+, Orkut, tumblr...
Esses atores (pessoas, empresas, entidades, governos) não só criam seus
canais para informar seus públicos como se sentem compelidos a contar
as suas próprias histórias no cada vez mais extenso, intenso e
interativo teatro de operações da guerra da informação na era da
comunicação.
Hoje, se você não contar a sua história, ela será contada por outros.
Muita gente passa mais tempo no Facebook do que lendo seu jornal. A
mídia internacional está impedida de noticiar a revolta popular contra a
ditadura Assad na Síria, mas os militantes colocam dezenas de vídeos,
fotos e relatos dos sangrentos combates diariamente nas mídias sociais. O
primeiro relato do ataque americano ao esconderijo de Osama bin Laden
no Paquistão foi de um consultor de computação paquistanês pelo seu
twitter. Barack Obama outro dia deu sua primeira entrevista pelo
twitter.
Concorrentes
O fundador do jornal de esquerda espanhol El País, Juan Luis Cebrián, disse à Folha
em entrevista na última segunda-feira [11/7] que os grandes
concorrentes dos jornais de papel são os agregadores de notícias e as
mídias sociais.
“Os diários já não dão notícias.(...)
Todo mundo já sabe as notícias quando
vai ler os jornais. Os jornais explicam, fazem análises, debatem. O
competidor da Folha não é o Estado de S. Paulo, é o
Google, o Facebook, estes são nossos competidores reais. E não queremos
admitir porque não sabemos como competir com eles”, disse Cebrián na
entrevista a Raul Juste Lores e Sylvia Colombo.
Cebrián cai numa cilada.com ao colocar os gigantes da web como os
grandes competidores dos jornais. Empresas como Google, Facebook e
outras que estão vindo e ainda virão são capazes de atrair bilhões de
dólares dos investidores rapidamente mesmo sem modelo de negócios muito
definido. Com esse dinheiro em caixa, estão investindo nos maiores
talentos e tecnologias e criando novas formas de comunicação a um ritmo
assustador.
E, o principal, as pessoas estão adorando. Compartilhar notícias com
amigos é uma compulsão humana. Gostamos de contar (nossas) histórias. E
as mídias sociais são plataformas criadas para isso.
Colocamos mais de 100 milhões de fotos no Facebook todo dia. Em épocas
como o Réveillon o número é muito maior. Qual noticiário e imagens você
prefere ver no dia 1º de janeiro? As notícias e fotos dos seus amigos
bêbados espalhados pelo mundo comemorando a passagem do ano ou a foto
anual dos fogos de Copacabana estampada nos jornais?
Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, está convicto de que o consumo
de mídia, das notícias aos filmes aos games, irá migrar cada vez mais
para plataformas sociais porque são coisas que gostamos de compartilhar
com os outros.
Ao contrário do que diz o fundador do El País, os jornais
devem investir pesado, como as empresas de internet estão fazendo, para
descobrir como usar a força da web e das mídias sociais nos seus
negócios. Vê-las como parceiras faz muito mais sentido do que vê-las
como competidoras e inimigas.
Novo ambiente
A revista Economist traz em sua última edição [9/7] um dossiê
sobre o futuro da notícia no qual compila todas as transformações em
andamento na forma como consumimos notícias no mundo pós-web.
A revista nota que as notícias antes dos jornais de massa circulavam
por tavernas e casa de café. E que agora, com a internet, estão de
alguma forma voltando para esse espírito coloquial e de troca direta de
ideias.
A Economist nota também que esse novo ambiente de comunicação
total e acessível favorece a mídia radicalmente opinativa, que prospera,
e cita como exemplo a própria Economist e os canais de notícias americano Fox News e pan-árabe Al-Jazeera.
Estamos vivendo um declínio do jornalismo “neutro”, “imparcial”, que na
verdade vigorou apenas em algumas praças por certo período de tempo, e
mesmo assim foi sempre muito questionado, e caminhando para um
jornalismo com mais opinião, com mais lado.
“A transparência é a nova neutralidade”, diz David Weinberger, um
comentarista de tecnologia. As pessoas estarão mais inclinadas a confiar
na notícia que você produz quanto mais elas souberem sobre você.
Num balanço final, a Economist vê essa profusão de informações e transformações como uma benção ao consumidor de notícias.
“Embora a transformação [do noticiário] traga preocupações, existe
muito a celebrar nesse ambiente barulhento, diversificado, vocal,
argumentativo e estridentemente vivo do ‘news business’ na era da
internet”, conclui a revista em seu editorial.
Sobre isso, não tenho a menor dúvida. Quem viveu na pré-história
pré-web sabe como era difícil se informar. E esse novo acesso à
informação é, entre tantas transformações, a que mais nos mudará.
***
[Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos Dinheiro e Mundo da Folha de S. Paulo e correspondente em Londres]
RETIRADO DO OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA
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